11.03.25
Nesta "narrativa" pela situação em si ser muito comum... a emoção da "realidade", ainda hoje me humedece os olhos...
Maroussia
net retocada
"Narrativa do dia" - Diário de um Cão...!!
O meu nome é Farrusco, não entendo muito bem porquê, mas suponho que é por ser negrinho como o carvão.De qualquer modo, recordo que foi assim que comecei a dar-me por esse nome, pouco tempo depois de nascer e de me retirarem da minha mãe.Ambos de lágrimas nos olhos eu, porque não queria sair de junto dela, ela porque era simplesmente a minha mãe e eu o seu filho.
Com alguma relutância mas, porque os humanos é que mandam neste Mundo Cão, lá me levaram.Lembro-me que chorei várias noites, até pensar que já nada havia a fazer senão habituar-me à ideia e tentar adaptar-me à minha nova vida.
Recordo-me de começar a ouvir chamar Farrusco e pensar para comigo, devo ser eu e olhar um pouco desconfiado para quem me chamava e ao mesmo tempo me pegava ao colo.
No entanto para minha surpresa, era um rosto enrugado pelo tempo mas, bonito e simpático que me olhava com tanta ternura, que não me contive a agradecer-lhe, abanando o meu rabito, o que a fez sorrir e dizer:
"Olha João estás a ver como ele gosta de mim", ao que o tal João respondeu feliz também, eu bem te disse amor, o que ele tinha era saudades da mãe, mas em se habituando a nós, vais ver que não nos larga.
O tempo foi passando e eu crescia feliz mimado pelos donos que tanto adorava.
Uma certa noite, acordei com muita agitação naquela casa que por norma era bem pacata, levantei-me e fui até onde estavam os meus donos e, sem entender muito bem o que se passava, vi que o meu dono chorava debruçado sobre o peito da minha dona que dormia.
Para chamar a atenção, ladrei e coloquei as minhas patas dianteiras no joelho do meu dono, ele olhando com lágrimas nos olhos, disse-me apenas: meu amiguinho, morreu a nossa princesa.
Lembro de lhe lamber as lágrimas, pensando assim que ele pararia de chorar.
Neste entretanto, entraram umas pessoas desconhecidas no quarto e eu talvez por não querer "acordar" a minha dona, deitei-me muito quieto aos pés da sua cama, observando tudo muito atentamente, como querendo descobrir o que se estava a passar.
Depois tudo aconteceu muito rápido, "trataram" da minha dona, meteram-na dentro de uma grande caixa e deixaram-me sozinho a pensar para onde a levariam.
Passaram dois dias sem ver os meus donos, ate que pelo final da tarde do segundo dia, apareceu o meu dono sozinho.
Corri, saltei, abanei o rabito, até ladrei, mas daqueles olhos tristes só caíam lágrimas, impotente deitei-me a seus pés e ali ficámos os dois não sei por quanto tempo. Naquela casa já só se escutava o silêncio, não me faltava comida nem o carinho do meu dono, mas a tristeza dele era tão grande que me contagiava.
A dada altura, sou surpreendido por alguém que entrou lá em casa e passou a tarde a falar com o meu dono. De novo o meu dono voltou a chorar e perguntou a quem com ele falava, e o Farrusco?
Arrebitei as orelhas a conversa era sobre mim, e ouvi a resposta seca e a soar a falsa, "não se preocupe Ti João, que eu trato do Farrusco, mas agora temos de ir, porque esperam por si na Casa de Repouso".
O meu dono veio ao pé de mim e disse-me com lágrimas nos olhos, quando eu já chorava também (sim porque os animais também sentem), meu amigo, não te posso levar comigo, mas vais ficar bem, havemos de voltar a ver-nos, e coçando-me a cabeça, saiu cabisbaixo, sem olhar para trás.
Senti a porta fechar e ali fiquei à espera do que estaria para vir.
Passaram 5 dias, até que a tal pessoa que levou o meu dono, abriu a porta deu-me um pontapé no rabo e gritou:
- Vá palerma faz-te à vida - .
Nesse momento entendi tudo, entendi que o ser humano é cruel e desumano.
Hoje, já velho e cansado, ando pelas ruas, escorraçado por uns e outros, acarinhado pelos mais piedosos, recorrendo aos caixotes mas, sempre a recordar com saudade os meus adorados donos que tanto me deram sem pedir nada em troca.
Sofro muito mas, penso naqueles que nunca tiveram a felicidade de conhecer ninguém bondoso e humano como eu tive.
Lamento que o ser humano, não nos dê valor, porque nós somos leais, e muitas vezes damos a vida para salvar os humanos, ajudamos em buscas, em incêndios, em catástrofes, e tudo fazemos de boa vontade, por respeito.
Em troca só pedíamos que fossemos reciprocamente respeitados, porque os animais também têm sentimentos.
Este é o meu diário.
Estou a sentir-me muito cansado e entorpecido, pelo que vivi e já vi, está a chegar a minha hora e, o meu último pensamento, vai para o dia em que a minha dona me chamou Farrusco e feliz disse, que eu gostava dela… obrigado !!
®M.Cabral (autoria)
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